Um estudo abrangente conduzido pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa Social (IBPS) em todas as capitais do país revela um paradoxo da vida moderna: nunca os brasileiros estiveram tão conectados digitalmente e, ao mesmo tempo, tantos relataram sentimentos profundos de solidão e esgotamento mental. A pesquisa, intitulada "Conexões Digitais e Saúde Mental no Brasil Contemporâneo", ouviu mais de 5 mil pessoas e traça um panorama complexo da relação da população com as tecnologias.
Os dados mostram que o brasileiro médio passa aproximadamente 4 horas e 20 minutos por dia em aplicativos de redes sociais e mensagens instantâneas, sem contar o tempo de trabalho. A hiperconexão, no entanto, não se traduziu em bem-estar coletivo. Pelo contrário, 62% dos entrevistados com idade entre 18 e 35 anos classificaram seu estado mental como "ansioso" ou "sobrecarregado". Além disso, 45% dos jovens adultos (25-34 anos) disseram sentir-se "sós com frequência", um índice que surpreendeu os pesquisadores.
Para a Dra. Helena Mendonça, psiquiatra e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) especializada em impactos da tecnologia, a contradição é aparente. "A conexão digital oferece uma sensação de proximidade, mas é uma proximidade muitas vezes superficial e performática. As interações online, embora numerosas, nem sempre são profundas ou genuinamente sustentadoras. O indivíduo está sempre 'on', mas a qualidade desse 'estar junto' é baixa, levando a uma fadiga social peculiar: cansado de interagir, mas ainda carente de conexão real", explica a especialista.
A pesquisa quantifica esse fenômeno. Entre os que se declararam "solitários", 78% são usuários ativos de pelo menos três redes sociais diferentes. A tabela abaixo ilustra a correlação entre o tempo de uso e a percepção de solidão:
Tabela 1: Correlação entre Uso de Redes Sociais e Sensação de Solidão
Tempo Diário em Redes Sociais | % que se sente "só" frequentemente | % que relata "ansiedade" |
---|---|---|
Até 2 horas | 28% | 35% |
De 2 a 4 horas | 41% | 58% |
Mais de 4 horas | 59% | 73% |
*Fonte: Instituto Brasileiro de Pesquisa Social (IBPS) - 2023*
Além dos números, a pesquisa qualitativa colheu depoimentos que dão voz aos dados. "Estou sempre no grupo da família, no dos amigos da escola, da faculdade, do trabalho... São dezenas de notificações por hora. No fim do dia, sinto que gastei toda a minha energia social, mas não lembro de ter tido uma conversa de verdade, daquelas que recarregam as baterias", relata Carlos Silva, 29 anos, analista de sistemas de Porto Alegre. Seu depoimento ecoa o de muitos participantes.
O estudo também aponta caminhos para um uso mais saudável da tecnologia. Os entrevistados que praticavam algum tipo de "detox digital" – como desativar notificações após certo horário ou dedicar fins de semana sem redes – relataram níveis significativamente menores de estresse e maior satisfação com suas relações offline. A chave, segundo os pesquisadores, não é a desconexão total, mas a mudança de um consumo passivo e excessivo para um uso mais consciente e intencional das ferramentas digitais.
O paradoxo identificado pela pesquisa coloca um novo desafio para a sociedade brasileira: como aproveitar os benefícios da era digital – sua capacidade de encurtar distâncias e disseminar informação – sem permitir que ela substitua o contato humano profundo, essencial para a saúde mental. A busca, agora, é por uma verdadeira conexão em um mundo de conexões virtuais.
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